Fatalismo, vilania e vitimismo (ou os vendedores de apocalipse e a promessa que ninguém fez)

 Os textos sugeridos e o documentário apresentam em tom de alerta em relação ao uso, e dependência, de tecnologias no cotidiano. Em comum, trazem à tona a pior faceta dos instrumentos e vinculam a existência desses a sentenças catastróficas. Todos, porém, incorrem no mesmo erro : rebaixar o humano a uma vítima desses aparelhos; já que, não só criador, somos também os usuários dessas ferramentas, e não o contrário.

 A repetição de como os aparelhos podem manipular a sociedade se revelam sempre uma extrapolação das consequências e atenuação do protagonismo do usuário. Em "o dilema das redes", por exemplo, o arquétipo quase religioso com o qual se recomenda o banimento das redes se assemelha propriamente a uma demonização em forma de espetáculo - além de, claramente, se colocar como uma figura fora deste circuito tecnológico enquanto é, na verdade, a crítica mais mercadológica e adaptada ao meio digital possível, tanto em formato quanto em linguagem.

 Há, finalmente, a incorrência em comum no erro de atenuar o protagonismo do homem nesse processo digital. A noção de que as novas tecnologias se colocam como substitutas aos processos da sociedade e alienam, de maneira forçada, a capacidade produtiva e cultural é uma sugestão derrotista para com a presença de dispositivos no cotidiano. Tem-se, por outra via, a possibilidade de se enxergar a natureza autônoma da humanidade no comportamento social como um fator definitivo para os acontecimentos na ocupação de espaços por objetos e; se há a subjugação de atividades básicas à ação instrumental, é de escolha humana - como autor, não vítima. A capacidade racional supera a manipulação da máquina, a menos que não haja esforço para tal emancipação, por mais que parcial ( não é como se houvesse a ideia de liberdade plena de qualquer forma); e a própria extensão da linguagem, como Chomsky ressalta, é uma prova disso, ao revelar a magnitude da comunicação, inclusive, para além da linguagem tecnológica.

 Desprende-se, portanto, que ao delegar tarefas e ceder tempo a programas e ferramentas, é de escolha de quem faz, e não o contrário - quem abre um aplicativo como o "tiktok" e é cooptado pelas suas metodologias de venda faz a escolha de se sujeitar a esse meio toda vez que acessa o aplicativo ou o tem instalado; de forma a perecer fora do universo de possibilidades que ocorra a servidão voluntária aos objetos. Postular a dominação ferramental como dada e imposta é, além de ressentimento, renunciar a escolha de fazer um uso proveitoso dos novos recursos, como fica evidente à medida que é exemplificado que a a semântica humana é mais ampla do que a digital, enquanto a linguagem digital é mais rápida, uma clara oportunidade de proveito.

 Sobre a ideia de servidão voluntária, não cabe desenvolve-la. Como é crucial para este texto, fica aqui, como extensão, algo sobre: Discurso sobre a servidão voluntária, de Étienne de La Boétie. Disponível no link: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2014171/mod_resource/content/1/Servidao_voluntaria_Boetie.pdf

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